Entrevista para O Estado de São Paulo
Respostas para Matheus Mans, repórter do Estadão
Como vê a importância do Batman, hoje, na cultura pop?
Embora seja propriedade
da editora americana DC Comics, Batman é bem mais do que isso, atingindo ao
longo de oito décadas de história o status de herói multimídia, mito moderno e
ícone cultural. Mais lucrativo produto da cultura pop, na casa de bilhões de
dólares anuais, o personagem apresenta-se ao mesmo tempo com inúmeras versões,
de todas as épocas e públicos, inspirando um universo próprio. Reconhecido
universalmente, até mesmo pelos não entendidos em gibis, ele ajudou até a criar
os próprios mundos nerd, conforme revela Glen Weldon, autor de A Cruzador
Mascarada.
Como vê a evolução do
personagem nos quadrinhos ao longo dos tempos?
Sendo Batman uma permanente
criação coletiva, ele sempre se renova pelas estratégias da proprietária, pelo
talento dos seus editores, roteiristas e desenhistas (entre os quais
brasileiros como Eddy Barrows), e até mesmo pelas reações dos fãs. Assim, ele
tem sido também na sua evolução permanente, preservando os elementos que o
tornam único, poderoso e influente, o espelho de cada momento histórico.
Começou como lenda urbana e vingador impiedoso, passando depois para divertido
cavaleiro mascarado e detetive com rígido código moral. Mais adiante sofreu por
amor, lutou contra perdas de entes queridos e crises existenciais, se mostrou
paizão de muitos e testou a sua eterna missão de todo jeito. O curioso é que todas
essas faces e fases são respeitadas e igualmente válidas até hoje, pois formam
um legado cujas configurações presentes não anulam as passadas.
O caminho dos gibis foi
similar ou distinto aos da TV ou do cinema?
Eis aí outro
interessantíssimo aspecto da trajetória do Homem-Morcego por todas as mídias,
incluindo desde programas de rádio dos anos dourados até os premiados games que
empolgam novas gerações. A base de todas as transformações ou assimilações na
“biografia” do personagem foi e segue sendo os quadrinhos, sua primeira e maior
fonte criativa. Assim, eles ditam o lado “canônico” do mais valioso super-herói
do mundo, fazendo com que os seus conteúdos orientem diretamente as adaptações para
a telinha e a telona. Mas roteiristas, diretores e demais criadores de
programas de tevê, animações e filmes live action também
agregam elementos e releituras ao meio impresso, quando os “canoniza”. A
Arlequina, por exemplo, veio de um cartoon e a batcaverna surgiu nas matinês
com películas em preto e branco. Cada linguagem tem características próprias,
mas todas se influenciam mutuamente, cabendo aos gibis uni-las.
No cinema, o personagem
está se tornando cada vez mais sombrio. Essa fase deve perdurar? Como vê isso?
O que pode ser visto
como tendência para o personagem é apenas uma forma de apresentá-lo ou a
exploração aprofundada de uma das muitas camadas que Batman, como plataforma
criativa, oferece. No cinema, ele estreou em séries curtas dos anos 1940 com um
lado muito implacável. Depois veio o filme spin-off da série televisiva de 1966
explorando cores, sátira e bizarrices, como sugere já nos letreiros de
abertura. A abordagem gótica e tenebrosa traçada pelo diretor Tim Burton em
1989 se nutriu do tom pesado dos quadrinhos à época, quase que reapresentando
para o grande público o real e ignorado teor do Cavaleiro das Trevas,
reconciliando com as suas origens. Com a batuta de Joel Shumacher houve uma
tentativa de reposicionamento da franquia, jogando mais humor e neon sobre ela.
Não deu certo. As sombras e a busca por verossimilhanças se impuseram oito anos
depois, em 2005, com Chris Nolan, e nunca mais saíram dos blockbusters do
Morcego mais querido do planeta. Agora, a cinessérie que está começando, com
perfil igualmente autoral dado por Matt Reeves, vai sondar motivações
psicológicas, o sombrio no coração e na mente do herói.
O que faz, afinal, com
que o Batman seja esse sucesso absoluto? O que o torna tão diferenciado?
Sempre digo em palestras,
debates, artigos e entrevistas que o sucesso de Batman está em algo óbvio: ele
é super-herói, mas é tão humano quanto nós. Não veio de outro planeta, não é
filho de um deus e nem ganhou forças ou poderes especiais com ciência
alienígena, radiação, mutação genética, raios cósmicos, dádiva de demônios etc.
Ele se construiu a partir de uma promessa nobre, feita ainda criança, de
dedicar toda a vida para defender os oprimidos e promover a justiça verdadeira,
buscando a perfeição física e intelectual, se munindo do melhor da tecnologia e
incorporando bem-sucedidas experiências na luta contra o mal. É a tal sabedoria
da batcaverna que o rabino americano Cary Friedman, capelão do FBI,
identificou. Não é por acaso que Batman é visto como campeão da superação
humana, tal qual enxergamos nos atletas paraolímpicos, e serve de
caracterização para os que ajudam crianças com câncer a vencer a terrível doença.
Sobre o entrevistado: Sílvio Ribas, 52, jornalista mineiro
radicado em Brasília desde 2017, autor de Dicionário do Morcego (Flama Editora,
2005), bl
og dicionariodomorcego.blogspot.com
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