Bruce Wayne & Silver St. Cloud
O amor perdido de Batman
Roberto Guedes
Em 1976, a DC Comics passava por uma reestruturação editorial das mais periclitantes e precisava a todo custo chacoalhar suas bases para ver se voltava a encarar a Marvel em termos de vendas. Jack Kirby tinha voltado “pros braços” de Stan Lee, e a Distinta Concorrente não conseguiu contra-atacar levando John Buscema para suas dependências. Daí, pensaram: "Quem é o maior roteirista da Marvel no momento?", e contrataram Steve Englehart.
Deram sorte, pois Englehart queria umas férias, empanturrado que estava de quadrinhos, e prestes viajar pra Europa. Ele havia feito um estardalhaço danado em séries como Captain America, Avengers, Defenders e Vampirella, tornando-se o grande nome da primeira metade dos anos 1970 – algo similar ao que Kurt Busiek fez na década de 1990 e Michael Bendis, de uns tempos pra cá (se me permite, na minha opinião Englehart é melhor que ambos).
O pessoal queria quer ele revitalizasse a Liga da Justiça da América, mas o escritor disse que só faria isso se pudesse escrever também as HQs de Batman. A única imposição da DC foi para que ele repetisse o clima soap opera da Marvel em Detective Comics. Para isso, até escalaram o desenhista Walt Simonson pra série (na ocasião, a arte de Simonson era puro Buscema). O artista só desenhou as duas primeiras aventuras do Cruzado Embuçado, e em seu lugar entrou o novato Marshall Rogers – um arquiteto fanzão de Dick Sprang, com um layout elegante e diferente de tudo que era publicado até então. Rogers já vinha desenhando algumas histórias back ups do Elektron, Canário Negro, etc., mas ao assumir as tramas de Batman escritas por Englehart houve... digamos, um “clic”! Show de bola!
Nessas poucas, mas memoráveis histórias, pela primeira vez em quase 40 anos de publicação, Bruce Wayne deixou de ser apenas a máscara, o “disfarce” de Batman, para se tornar o foco principal da série. Ele se apaixona por uma mulher linda e inteligentíssima chamada Silver St. Cloud, que descobre sua identidade por pura dedução (ora, a mulher perfeita pro maior detetive de todos os tempos, não?).
Englehart contribuiu com diálogos, frases e balões de pensamentos memoráveis, além de motivações ainda insuperáveis para personagens como Bruce, Alfred e Dick Grayson. O roteirista resgatou do “calabouço do esquecimento” alguns vilões como Pistoleiro e Hugo Strange, e escreveu a batalha mais emblemática do Cruzado Embuçado com o Coringa. O final é simplesmente apoteótico, e não menos angustiante. Daqueles de deixar qualquer leitor insensível com um nó miserável na garganta.
Piegas? “Nem a pau, Juvenal!”... Englehart partiu, mas salvou a revista do cancelamento. E os leitores pediram mais! Só que o cara já havia se mandado, cedendo a vaga a Len Wein, que entrou e ainda produziu mais duas HQs com Rogers, que se tornaram um epílogo sensacional, mas sem a presença de Silver. Na verdade, iniciou a volta da Mulher-Gato às revistas ao universo do Morcegão como o interesse amoroso de Bruce. Só que sem o mesmo charme.
Na verdade, nos anos seguintes, todos os demais editores e roteiristas fizeram questão de não utilizar Silver outra vez. Temiam quebrar a mítica estabelecida naquele período. E a personagem acabou “esquecida” (não pelos leitores, claro) até que, no filme de 1989, usaram a fotógrafa Vick Vale travestida de Silver. Ora, o cabelo platinado de Vick, o fato dela descobrir a identidade do herói, e a luta com o Coringa nas alturas, são óbvias referências às histórias de Silver e Batman escritas por Englehart. O autor ficou envaidecido, mas não reclamaria se fosse creditado e ganhasse uns royalties.
No finalzinho do século passado, Archie Goodwin e Marshall Rogers produziram a série Siege dentro de um dos títulos mensais do herói – inédita por aqui, resgatando Silver. Mas essa trama não teve muito impacto. Goodwin sempre foi um ótimo argumentista, mas Silver não era dele. Era de Englehart. Porém, em 2005, Englehart, Rogers e Terry Austin (na arte-final) se uniram outra vez e produziram a mini Dark Detective, cuja trama se passa pouco tempo depois dos acontecimentos narrados em 1977, e traz Silver de volta à vida de Bruce. E como traz!
WOW!
Silver, agora noiva de um proeminente político, se vê, outra vez, envolta em sentimentos e situações conflitantes com o ex-amado Bruce, e com “aquela mania” dele de sair à noite pra combater o crime. Espantalho, Duas-Caras e Coringa completam o “rolo”, propiciando emoção o suficiente pra deixar você com os cabelos em pé, intrepid one. Mas não há supervilão, fidelidade partidária ou anel de noivado que resista a um passeio pela batcaverna com seu verdadeiro amor – se é que me fiz entender agora, meu chapa. Ah, Silver...
Embora o traço de Rogers não estivesse tão bonito como outrora, ainda assim foi por demais competente e atraente para os nossos olhos. Fora isso, o texto de Englehart parecia tão sensacional quanto antes, proporcionando momentos incríveis. Uma história muito boa, acima da média mas, infelizmente, subestimada por uma parte da crítica especializada atual.
Todavia o povo não é tolo, e a volta de Silver fez sucesso nos EUA, o que motivou a DC encomendar ao trio Englehart/Rogers/Austin uma seqüência para Dark Detective. Mas com o falecimento de Rogers em 2007, os fãs ficaram inconsoláveis. Pra piorar, Englehart meteu a boca no trombone em seu site (veja aqui: http://www.steveenglehart.com/Film/Dark%20Knight%20movie.html) ao alegar que, mais uma vez, a Warner utilizou suas histórias em uma produção cinematográfica sem lhe dar nenhum crédito.
Na avaliação de Englehart, o mega-sucesso de bilheteria de 2008, o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas seria 70% plagiado da HQ Dark Detective, onde apenas trocaram os papéis de alguns personagens, mas cuja espinha dorsal do roteiro é praticamente idêntica, ao cúmulo de se valerem também de elementos narrados na continuação jamais lançada da minissérie (que Rogers, inclusive, chegou a desenhar algumas páginas antes da morte).
O batfã brazuca, desconsolado, não vê nenhuma luz no final do túnel que indique o lançamento de um encadernado com as histórias clássicas dos anos 1970, tampouco de uma publicação por estas bandas de Dark Detective – não que eu não tenha feito o meu lobby, acredite. Quanto a Englehart, apesar do seu desabafo, não parece pretender que o caso chegue aos tribunais. Lamenta, contudo, a posição da DC de cancelar a seqüência, em vez de escalar outro artista para substituir Marshall Rogers.
Afinal, qual seria o desenlace para o conturbado romance entre Bruce Wayne e Silver St. Cloud? Ficariam juntos ao final das contas, ou como Rhett Butler e Scarlett O’Hara em E o Vento Levou, estariam destinados ao sofrimento eterno no vale dos corações partidos e do amor mal resolvido? Só há uma coisa a dizer: que pena.
FONTE: Roberto Guedes no GUEDES MANIFESTO em 12/14/2008
Roberto Guedes
Em 1976, a DC Comics passava por uma reestruturação editorial das mais periclitantes e precisava a todo custo chacoalhar suas bases para ver se voltava a encarar a Marvel em termos de vendas. Jack Kirby tinha voltado “pros braços” de Stan Lee, e a Distinta Concorrente não conseguiu contra-atacar levando John Buscema para suas dependências. Daí, pensaram: "Quem é o maior roteirista da Marvel no momento?", e contrataram Steve Englehart.
Deram sorte, pois Englehart queria umas férias, empanturrado que estava de quadrinhos, e prestes viajar pra Europa. Ele havia feito um estardalhaço danado em séries como Captain America, Avengers, Defenders e Vampirella, tornando-se o grande nome da primeira metade dos anos 1970 – algo similar ao que Kurt Busiek fez na década de 1990 e Michael Bendis, de uns tempos pra cá (se me permite, na minha opinião Englehart é melhor que ambos).
O pessoal queria quer ele revitalizasse a Liga da Justiça da América, mas o escritor disse que só faria isso se pudesse escrever também as HQs de Batman. A única imposição da DC foi para que ele repetisse o clima soap opera da Marvel em Detective Comics. Para isso, até escalaram o desenhista Walt Simonson pra série (na ocasião, a arte de Simonson era puro Buscema). O artista só desenhou as duas primeiras aventuras do Cruzado Embuçado, e em seu lugar entrou o novato Marshall Rogers – um arquiteto fanzão de Dick Sprang, com um layout elegante e diferente de tudo que era publicado até então. Rogers já vinha desenhando algumas histórias back ups do Elektron, Canário Negro, etc., mas ao assumir as tramas de Batman escritas por Englehart houve... digamos, um “clic”! Show de bola!
Nessas poucas, mas memoráveis histórias, pela primeira vez em quase 40 anos de publicação, Bruce Wayne deixou de ser apenas a máscara, o “disfarce” de Batman, para se tornar o foco principal da série. Ele se apaixona por uma mulher linda e inteligentíssima chamada Silver St. Cloud, que descobre sua identidade por pura dedução (ora, a mulher perfeita pro maior detetive de todos os tempos, não?).
Englehart contribuiu com diálogos, frases e balões de pensamentos memoráveis, além de motivações ainda insuperáveis para personagens como Bruce, Alfred e Dick Grayson. O roteirista resgatou do “calabouço do esquecimento” alguns vilões como Pistoleiro e Hugo Strange, e escreveu a batalha mais emblemática do Cruzado Embuçado com o Coringa. O final é simplesmente apoteótico, e não menos angustiante. Daqueles de deixar qualquer leitor insensível com um nó miserável na garganta.
Piegas? “Nem a pau, Juvenal!”... Englehart partiu, mas salvou a revista do cancelamento. E os leitores pediram mais! Só que o cara já havia se mandado, cedendo a vaga a Len Wein, que entrou e ainda produziu mais duas HQs com Rogers, que se tornaram um epílogo sensacional, mas sem a presença de Silver. Na verdade, iniciou a volta da Mulher-Gato às revistas ao universo do Morcegão como o interesse amoroso de Bruce. Só que sem o mesmo charme.
Na verdade, nos anos seguintes, todos os demais editores e roteiristas fizeram questão de não utilizar Silver outra vez. Temiam quebrar a mítica estabelecida naquele período. E a personagem acabou “esquecida” (não pelos leitores, claro) até que, no filme de 1989, usaram a fotógrafa Vick Vale travestida de Silver. Ora, o cabelo platinado de Vick, o fato dela descobrir a identidade do herói, e a luta com o Coringa nas alturas, são óbvias referências às histórias de Silver e Batman escritas por Englehart. O autor ficou envaidecido, mas não reclamaria se fosse creditado e ganhasse uns royalties.
No finalzinho do século passado, Archie Goodwin e Marshall Rogers produziram a série Siege dentro de um dos títulos mensais do herói – inédita por aqui, resgatando Silver. Mas essa trama não teve muito impacto. Goodwin sempre foi um ótimo argumentista, mas Silver não era dele. Era de Englehart. Porém, em 2005, Englehart, Rogers e Terry Austin (na arte-final) se uniram outra vez e produziram a mini Dark Detective, cuja trama se passa pouco tempo depois dos acontecimentos narrados em 1977, e traz Silver de volta à vida de Bruce. E como traz!
WOW!
Silver, agora noiva de um proeminente político, se vê, outra vez, envolta em sentimentos e situações conflitantes com o ex-amado Bruce, e com “aquela mania” dele de sair à noite pra combater o crime. Espantalho, Duas-Caras e Coringa completam o “rolo”, propiciando emoção o suficiente pra deixar você com os cabelos em pé, intrepid one. Mas não há supervilão, fidelidade partidária ou anel de noivado que resista a um passeio pela batcaverna com seu verdadeiro amor – se é que me fiz entender agora, meu chapa. Ah, Silver...
Embora o traço de Rogers não estivesse tão bonito como outrora, ainda assim foi por demais competente e atraente para os nossos olhos. Fora isso, o texto de Englehart parecia tão sensacional quanto antes, proporcionando momentos incríveis. Uma história muito boa, acima da média mas, infelizmente, subestimada por uma parte da crítica especializada atual.
Todavia o povo não é tolo, e a volta de Silver fez sucesso nos EUA, o que motivou a DC encomendar ao trio Englehart/Rogers/Austin uma seqüência para Dark Detective. Mas com o falecimento de Rogers em 2007, os fãs ficaram inconsoláveis. Pra piorar, Englehart meteu a boca no trombone em seu site (veja aqui: http://www.steveenglehart.com/Film/Dark%20Knight%20movie.html) ao alegar que, mais uma vez, a Warner utilizou suas histórias em uma produção cinematográfica sem lhe dar nenhum crédito.
Na avaliação de Englehart, o mega-sucesso de bilheteria de 2008, o filme Batman – O Cavaleiro das Trevas seria 70% plagiado da HQ Dark Detective, onde apenas trocaram os papéis de alguns personagens, mas cuja espinha dorsal do roteiro é praticamente idêntica, ao cúmulo de se valerem também de elementos narrados na continuação jamais lançada da minissérie (que Rogers, inclusive, chegou a desenhar algumas páginas antes da morte).
O batfã brazuca, desconsolado, não vê nenhuma luz no final do túnel que indique o lançamento de um encadernado com as histórias clássicas dos anos 1970, tampouco de uma publicação por estas bandas de Dark Detective – não que eu não tenha feito o meu lobby, acredite. Quanto a Englehart, apesar do seu desabafo, não parece pretender que o caso chegue aos tribunais. Lamenta, contudo, a posição da DC de cancelar a seqüência, em vez de escalar outro artista para substituir Marshall Rogers.
Afinal, qual seria o desenlace para o conturbado romance entre Bruce Wayne e Silver St. Cloud? Ficariam juntos ao final das contas, ou como Rhett Butler e Scarlett O’Hara em E o Vento Levou, estariam destinados ao sofrimento eterno no vale dos corações partidos e do amor mal resolvido? Só há uma coisa a dizer: que pena.
FONTE: Roberto Guedes no GUEDES MANIFESTO em 12/14/2008
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