Crítica no site Filmes Polvo


Dilemas de Batman na telona

por Sílvio Ribas*

A dualidade de Batman é universalmente conhecida. A oposição entre sua identidade civil –como o bilionário playboy e filantropo Bruce Wayne – e a sua marcante apresentação como o vigilante justiceiro trajado de morcego integra o imaginário popular. Mas essa divisão de papéis socialmente interpretados é muito mais complexa do que aparenta. As adaptações do famoso personagem das histórias em quadrinhos para a sétima arte também carregam sua própria dualidade. A badalada franquia cinematográfica – que completa 20 anos em 2009 – vem revelando, consistentemente, os seus aspectos contraditórios internos que também refletem o posicionamento diversificado do Cavaleiro das Trevas nas diferentes mídias.

Pressões dos departamentos de marketing de multinacionais que tentam explorar ao máximo o incomum poder de sedução pop da marca registrada "Batman" disputam espaços com outras pressões intrínsecas ao personagem, que sublinham a natureza trágica, sombria e intimista do Homem-Morcego. O confronto dessas duas tendências consagrou o lado negro e conturbado do herói, o mais forte e duradouro em termos de audiência do que eventuais ganhos de versões debochadas e coloridas junto a um público supostamente mais amplo. Ambas as forças antagônicas tiveram, cada uma, seus momentos de glória na telona, alternando também proporcionais avanços e recuos, nos seis bat-filmes lançados entre 1989 e este ano, assinados por três diretores de perfis bem distintos.

Os auges dessas tendências pop e dark – uma separação que não pode ser muito arbitrária por se tratar de cinema, o mais importante representante da indústria cultural – se configuraram em 1997 e 2008. Com Batman & Robin, dirigido por Joel Schumacher, e o atualmente em cartaz Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight), regido por Christopher Nolan, ocorrem, respectivamente, os expoentes das duas versões em carne e osso do Morcegão em celulóide e, agora, digital. A convivência das duas correntes, com propriedades estéticas e dramáticas próprias, nunca esteve nos quadrinhos, mas levou a prejuízos com empreendimentos multi-milionários do universo Batman, da DC Comics (Warner Brothers).

A fantasia do nonsense e do escracho de Schumacher levou ao fracasso absoluto do segundo filme de Batman que dirigiu e impôs uma pausa para reflexão de oito anos. Até mesmo atores do elenco de Batman & Robin avalizaram o "assassinato" da franquia. O diretor também chegou a pedir desculpas aos fãs em público. A ressurreição, depois de várias especulações e roteiros engavetados, veio apenas em 2005, com recomeço do zero, praticamente nova série. A proposta hiper-realista de Chris Nolan encarnada por Christian Bale no papel-título recolocou a máquina batmaníaca nos trilhos do cinema, depois de dar espaço para a arqui-rival Marvel. Mais do que isso, foi uma renovação protegida das tentações pop. O marketing atuou no entorno do personagem e não na sua essência.

Essa volta às origens taciturnas e amargas ganhou força e tornou robusta a mensagem de um herói ficcional improvável na vida real, embora verossímil. A primeira seqüência dessa nova fase sepultou de vez os desvios que foram ganhando corpo em 1997, com Batman Eternamente (Batman Forever). Fenômeno igual de excessos de marketing com o desvirtuamento do personagem sisudo por meio de propostas satíricas e fantasiosas também ocorreu nos quadrinhos e foi, sobretudo, impulsionada pelo seriado live-action na TV (1966-1968). A saga televisiva, inclusive, deflagrou a chamada primeira Batmania em todo o mundo, com similiar só no cinqüentenário do personagem, época do lançamento do primeiro blockbuster da franquia atual.

Sob parâmetros que partem do estilo cult de Burton ao equívoco carnavalesco de Schumacher, passando pelo resgate heróico de Nolan, sobram elementos narrativos e conceituais merecedores de análise pormenorizada. A intenção de cada roteirista e diretor deixou fortes impressões na telona da década de 80 aos tempos de Imax. Ganhou consistência, achou seu caminho complexo. Mais perturbado que aloprado. É bom lembrar que o herói já teve outras incursões no cinema, nos anos 40, pouco depois de estrear nos quadrinhos (1939). Era o tempo das matinês com cinesséries.

Os dois primeiros filmes da série – Batman (1989) e Batman – O Retorno (Batman Returns, 1992) – formam, nesse contexto de correntes em choque, um capítulo à parte. A inspiração nos quadrinhos dos anos 80 é flagrante. Mas ainda mais expressivo é o lado autoral das produções dirigidas pelo genial Tim Burton, sobretudo a segunda, com diversos subtextos e entrelinhas na abordagem gótica. Serviu para enriquecer ainda mais o aspecto multifacetado de Batman, além de dar novo fôlego aos filmes de super-heróis. Vida longa ao Morcego, agora com perfil definido pelo mercado e pelo público.

Fonte: www.filmespolvo.com.br

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