Bodas do Cruzado Embuçado


SÓ O BATMAN PODE SE CASAR

Roberto Guedes*

Ultimamente muito se tem falado a respeito dos novos rumos que as histórias do Homem-Aranha tomaram a partir de One More Day e Brand New Day, em que os acontecimentos dos últimos anos na vida do personagem são alterados drasticamente, como por exemplo, o fim de seu casamento com Mary Jane.

A notícia corrente é que o editor-chefe da Marvel Comics, o polêmico Joe Quesada, jamais engoliu o fato do aracnídeo mais famoso das histórias em quadrinhos ser um “encoleirado” (uma salva de palmas para o Supla, por favor!), pois, nesta situação, o personagem perde grande parte de seu apelo juvenil – e, convenhamos, o aspecto teenager contribuiu deveras para torná-lo o mais popular de todos os super-heróis durante cerca de quatro décadas.

A premissa na concepção do Homem-Aranha idealizada por seus criadores, sempre foi a de aproximá-lo o mais possível da realidade. Assim, acompanhamos o sobrinho da Tia May se formar no colegial, adentrar a faculdade, ter dificuldades financeiras e problemas no trabalho, ficar doente, namorar, noivar e... casar. O casamento, então, parecia mais uma seqüência natural nos eventos propostos pela idealização inicial dessa série “realista”. Contudo, ainda assim estamos lidando com um personagem fictício que carrega em seu bojo a emblemática de um ídolo juvenil. Não obstante, é inegável a queda de aceitação do próprio perante um público leitor mais jovem nos últimos anos.

Olha, odeio ter que admitir isso, mas Mr. Quesada está certo nesse ponto. Não vou entrar no mérito do absurdo pacto que Peter Parker fez com o chifrudo, tampouco à radicalização de se “apagar” todo um passado num simples passe de mágica. Não agora, pois este não é o tópico em questão aqui. Prefiro me concentrar na preocupação da Casa das Idéias em relação ao resgate da solteirice de Peter e, para isso, selecionei dois dos mais famosos e emblemáticos super-heróis para exercitar o meu raciocínio: Superman e Batman.

Assim como o Aranha, Clark Kent jamais deveria se casar com Lois Lane, e não é pelos mesmos motivos do Cabeça-de-Teia. Afinal, Superman já “nasceu” adulto em sua estréia em 1938. Só depois uma vida pregressa como adolescente em uma cidade do interior seria implementada. Acontece que Superman sempre foi retratado como um semideus, uma espécie de ser onisciente, capaz de, com seus poderes e sentidos desenvolvidos, perscrutar o mundo na ânsia de resolver os problemas das pessoas. Desse jeito, um ser tão magnânimo jamais poderia ter uma vida social normal sob a fachada humana de um jornalista, marido e filho exemplar, a não ser, claro, que ficasse desprovido de qualquer sentimento de humanidade, como o remorso e a consciência pesada – tal qual o Dr. Manhattan da série Watchmen.

Sejamos sinceros, como é que uma pessoa que teve uma criação tão boa voltada para os valores morais, cívicos e cristãos, principalmente no que tange ao fazer o bem ao próximo, poderia colocar, à noite, sua cabeça num travesseiro e dormir sem preocupação, enquanto seus ouvidos super-amplificados captassem os gemidos dos famintos na África, das bombas no Oriente Médio e das metralhadoras nos morros do Rio? Parece-me não-natural e contraproducente à caracterização do personagem. Por isso, só para começar, Superman não poderia ser casado. A todo o momento, ele deveria estar a postos em sua Fortaleza da Solidão, resignado de sua solitária vocação de eterno atalaia a serviço da humanidade. E não há casamento e paixão que resista a isso, admita...

É óbvio que durante o transcorrer das décadas, os roteiristas procuraram minimizar essa faceta do personagem, ora reduzindo seus poderes (vide a breve fase de Denny O´Neil no começo dos anos 1970), ora gerando uma situação em que o protagonista se vê obrigado a reconhecer sua impotência para resolver todos os problemas do mundo devido à sua condição humana, conforme mostrado em DC Comics Presents #29, quando o herói bate um papo com ninguém mais, ninguém menos que Deus – cortesia de Len Wein e Jim Starlin.

Interessante seria, se os autores continuassem a ignorar os aspectos “realistas” de uma figura tão fantástica como a do Homem do Amanhã em prol da fantasia e escapismo dos comics, como era feito até meados dos anos 1980. Deveria ser sempre assim, para o bem-estar e sanidade do leitor. Contudo, como cada vez mais essa indústria “exige” uma aproximação das histórias e personagens com o mundo real, somos obrigados a engolir que um sujeito tão poderoso e altruísta como Superman realmente tem tempo para curtir “um social”.

E enfim chego ao Cruzado Embuçado. Ao contrário de um certo pensamento velado e vigente que paira na atmosfera viciada e eqüidistante entre a redação da DC Comics e o senso comum do fandom, Batman seria o herói fantasiado adequado para contrair o matrimônio. Até pelo fato de não ser exatamente um “super-herói”. Ora, pois, o Vigilante de Gotham não possui superpoderes, não é imortal, só age num período (à noite), consegue manter – e muito bem – uma fachada social como playboy multimilionário, e mais, sua personalidade introspectiva sempre careceu de uma... digamos, “cara-metade”.

Logo em seu primeiro ano de existência como mito cultural, os editores entenderam por bem colocar um parceiro mirim ao seu lado, para que seu público leitor – de então – encontrasse alguma identificação com a série. Mas não foi apenas por isso, a intenção também, foi a de suavizar o aspecto sisudo e brutal do herói. Batman precisava urgentemente de alguém para conversar, para exprimir seus anseios, suas idéias, sua visão do mundo. Caso contrário, iria neurotizar. Com o tempo, essa parceria começou a “pegar mal”, e decidiram que era hora do jovem Dick Grayson se mandar pra universidade e paquerar suas coleguinhas da Turma Titã. Batman voltou à carranca de outrora e, admito, suas histórias atingiram os melhores níveis de enredo e arte que já se viu, graças a sujeitos como Neal Adams, Denny O’Neil, Jim Aparo, Bob Haney entre outros, até culminar em O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller.

História genial, protagonista digno de pena. Alma carcomida e frustrada, que de um futuro próximo e provável, relembra a inutilidade de seus esforços nos anos anteriores de sua carreira. Uma verdadeira ode à persona do Morcego. Se realmente Bruce Wayne é só um “disfarce”, o Batman de O Cavaleiro das Trevas não deveria ser tão sofredor, já que sua missão transcende o desejo natural de qualquer pessoa querer uma vida normal e feliz. Antes Batman tivesse uma “alma gêmea” à sua espera perto do amanhecer na sombria Mansão Wayne, que não apenas o fiel mordomo Alfred. Haveria de ter um toque feminino para lembrá-lo de que ainda é humano. Algo semelhante ao que foi feito em relação a Drácula e Domini na prestigiada e saudosa série A Tumba de Drácula.

Mas quem seria essa “Amélia” de Bruce Wayne, capaz de cuidar de seus ferimentos, de aceitá-lo como ele é... de, apenas com sua doce presença, não deixar que o morcego sobrepuje o homem? Vick Vale? Sem chance. Tália? Com aquele pai? Mulher-Gato? Não depois do final da saga Silêncio. Assim, minha aposta vai para a única que conseguiu realmente fazer com que Bruce tentasse coadunar sua missão de vigilante com a vida social de filantropo: a bela e inteligente Silver St. Cloud. E só não conseguiu, dado o desespero da moça ao ver seu amado se engalfinhando com o ensandecido Coringa sobre um prédio em construção durante a pior tempestade da história meteorológica de Gotham City – um verdadeiro clássico das HQs, produzido pela trinca Steve Englehart, Marshall Rogers e Terry Austin.

Entretanto, durante a minissérie Dark Detective, produzida pelo mesmo trio (absurdamente ainda inédita no Brasil), Bruce e Silver voltam a se encontrar, e a paixão ressurge avassaladora, com direito, ora vejam a juras de amor por parte do protagonista: “Eu te amo, amo a noite, ambas, mais do que nunca. São três horas da manhã, hora de sonharmos...”

Deixem os heróis serem felizes, seus editores...

(23/01/2008)

* Roberto Guedes é escritor, editor, roteirista de quadrinhos e autor dos livros Quando Surgem os Super-Heróis, A Saga dos Super-Heróis Brasileiros e o inédito A Era de Bronze dos Super-Heróis, que chegará em breve pela HQM Editora.

Comentários

Luiz Lourenço disse…
Legal Sílvio! Estava realmente faltando um blog para discutir estas questões dos quadrinhos e sobretudo do morcego mascarado. Parabéns!
SÍLVIO RIBAS disse…
Por favor, colaborem.

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