Veja cita o Dicionário do Morcego, 2005
Ele voltou. E agora é sério.
Isabela Boscov
Playboy de dia, morcego à
noite. Bale, como o patrulheiro da caótica Gotham City, e com sua namorada,
Katie: diretor e atores de primeira linha para retomar a história do princípio.
Em 1997, a Warner viu sua propriedade até então mais valiosa – a franquia
Batman – sofrer uma morte indigna com Batman & Robin, uma extravagância
igualmente execrada pelo público e pela crítica. Desde então, porém, o estúdio
juntou ao seu catálogo Matrix, Harry Potter e O Senhor dos Anéis (este em
parceria com a New Line), e terminou por provar-se o mais habilidoso entre
todos os grandes de Hollywood em explorar o potencial das séries
cinematográficas. Animada por esses sucessos e pela lembrança do 1,3 bilhão de
dólares que o Homem-Morcego rendeu na bilheteria antes de seu falecimento, a
Warner vinha estudando formas de ressuscitá-lo. Pensou-se, por exemplo, num
encontro entre Batman e Superman – descartado em razão do temor de que um filme
malsucedido enterrasse ambos os personagens. Trabalhou-se também com a idéia de
entregar ao enfant terrible Darren Aronofsky, de Réquiem para um Sonho, uma
adaptação da série de quadrinhos publicada por Frank Miller no fim dos anos 80,
que mostra Batman já envelhecido e amargo – e que seria estrelada por Clint
Eastwood. O projeto não vingou, em parte pela suspeita de que o público
adolescente rejeitaria um herói enrugado. O óbvio, afinal, se impôs. Batman
Begins (Estados Unidos, 2005), que estréia nesta sexta-feira, reinicia a série
pelas origens de Bruce Wayne, que na infância viu os pais ser assassinados por
um ladrão e jurou vingar-se dos malfeitores de Gotham City, a caótica metrópole
em que mora. Um herói jovem e que tem ainda toda uma história por ser contada –
essa é a aposta, bastante razoável, da Warner e da DC Comics para reavivar o
interesse por uma marca que, literalmente, não tem preço. O primeiro filme, de
1989, só perde para os dois Homem-Aranha em bilheteria associada a um herói dos
quadrinhos – e só em seu ano de estreia gerou 1 bilhão de dólares em
merchandising, de acordo com o mineiro Sílvio Ribas, um estudioso do
tema, cujo Dicionário do Morcego (Flama; 276 páginas; 35 reais) chegará
às livrarias junto com o filme.
Os créditos de Batman Begins
são sólidos. O filme é dirigido pelo inglês Christopher Nolan, do
originalíssimo Amnésia, e estrelado por outro expoente do cinema independente,
o galês Christian Bale, de Psicopata Americano. Michael Caine, Morgan Freeman,
Liam Neeson, Ken Watanabe e Gary Oldman compõem um elenco de apoio brilhante –
e que tem papéis suculentos e bem escritos com que trabalhar. Por um golpe de
sorte, até a atriz que faz a namorada de Bruce Wayne se tornou objeto de
notoriedade súbita às vésperas do lançamento – Katie Holmes, a quem Tom Cruise
dedicou espalhafatosas declarações de amor há duas semanas. Nolan é também um
diretor inteligente, que sabe distribuir seu tempo entre a ação e o drama (Gary
Oldman está especialmente bem como o desiludido Sargento Gordon, a muitas
etapas ainda da promoção que o transformará no comissário de polícia de
Gotham), e demonstra uma saudável desconfiança da eficácia dos efeitos
digitais. Uma das razões pelas quais Batman Begins custou 150 milhões de
dólares é que a maior parte dos cenários, da caverna de Bruce Wayne às favelas
de Gotham, foi efetivamente construída, e não gerada em computador. Menos
sombrio e gótico do que os dois Batman de Tim Burton, e totalmente livre do tom
de paródia dos dois episódios dirigidos por Joel Schumacher, Batman Begins
recoloca nos trilhos a criação do quadrinista Bob Kane.
O que falta ao filme, porém,
é audácia. Inclusive a audácia de investir num humor mais pérfido, a que o
personagem convida e que é o território por excelência de Nolan e Christian
Bale. O milionário Bruce Wayne, afinal, não tem superpoderes. É um playboy de
dia e, de noite, um sujeito que gosta de se vestir de morcego para patrulhar
Gotham City – mais ou menos como o protagonista de Psicopata Americano, yuppie
durante o expediente e assassino serial nas horas vagas, que Bale interpretou
com notáveis apetite e senso do absurdo. Tanto comedimento, claro, é uma reação
ao exagero que redundou no fracasso do personagem, oito anos atrás. Mas as
perspectivas são boas. Assim que Bruce Wayne reencontrar seus dentes (e tanto
Nolan como Bale já estão contratados para mais dois episódios), Batman será,
novamente, irresistível.
Fonte: Veja, 11/06/2005
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